DISCENTE: CAROLINE ALVES
Conceituando alfabetização e letramento
Eliana
Borges Correia de Albuquerque
A alfabetização considerada como o ensino das habilidades de “codificação” e “decodificação” foi transposta para a sala de aula, no final do século XIX, mediante a criação de diferentes métodos dealfabetização – métodos sintéticos (silábicos ou fônicos) x métodos analíticos (global) –, que padronizaram a aprendizagem da leitura e da escrita. As cartilhas relacionadas a esses métodos passaram a ser amplamente utilizadas como livro didático para o ensino nessa área. (p.11)
A experiência “traumatizante” de alfabetização na escola devia-se não só aos castigos aos quais muitos de nós fomos submetidos, mas às próprias atividades desenvolvidas, com ênfase na repetição e na memorização de letras, sílabas e palavras sem significados. Mas essa experiência escolar muitas vezes era amenizada pelas práticas de leitura vivenciadas no ambiente familiar, mesmo quando os instrumentos utilizados eram os mesmos – as cartilhas [...] (p. 13).
Outras
professoras lembraram, também, de outras práticas de leitura no ambiente familiar,
como a de escutar os adultos lerem ou contarem histórias/contos infantis, como
relatou a professora Danielle Félix, que, conforme depoimento apresentado
anteriormente, teve uma experiência traumatizante de alfabetização na escola,
mas não em casa [...]. (p.15).
A partir da
década de 1980, o ensino da leitura e da escrita centrado no desenvolvimento
das referidas habilidades, desenvolvido com o apoio de material pedagógico que
priorizava a memorização de sílabas e/ou palavras e/ou frases soltas, passou a
ser amplamente criticado. Nesse período, pesquisadores de diferentes campos –
Psicologia,
História,
Sociologia, Pedagogia, etc. – tomaram como temática e objeto de estudo a
leitura e seu ensino, buscando redefini-los. (p. 15).
No campo da
Psicologia, foram muito importantes as contribuições dos estudos sobre a psicogênese
da língua escrita, desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky
(1984). (p. 15).
[...]Constataram
que as crianças ou os adultos analfabetos passavam por diferentes fases que vão
da escrita pré-silábica, em que o aprendiz não compreende ainda que a
escrita representa os segmentos sonoros da palavra, até as etapas silábica e
a alfabética. (p.16)
Segundo Soares
(1998), o termo letramento é a versão para o Português da palavra de língua inglesa
literacy, que significa o estado ou condição que assume aquele que aprende
a ler e a escrever. Esse mesmo termo é definido no Dicionário Houaiss (2001)
“como um conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes
tipos de material escrito”. (p.16).
No Brasil, o
termo letramento não substituiu a palavra alfabetização, mas aparece associada
a ela. Podemos falar, ainda nos dias de hoje, de um alto índice de analfabetos,
mas não de “iletrados” [...]. (p.16).
A leitura e a
produção de diferentes textos são tarefas imprescindíveis para a formação de
pessoas letradas. No entanto, é importante que, na escola, os contextos de
leitura e produção levem em consideração os usos e funções do gênero em
questão. É preciso ler e produzir textos diferentes para atender a finalidades
diferenciadas, a fim de que superemos o ler e a escrever para apenas aprender a
ler e a escrever.
Por outro lado,
um trabalho sistemático de reflexão sobre o sistema de escrita alfabético não
pode ser feito apenas através da leitura e da produção de textos, como pensava
a professora Luzia. É preciso o desenvolvimento de um ensino no nível da
palavra, que leve o aluno a perceber que o que a escrita representa (nota no
papel) é sua pauta sonora, e não o seu significado, e que o faz através da
relação fonema/grafema. (p.20).
Enfim,
considerando o que foi discutido até agora, sabemos que ser alfabetizado, hoje,
é mais do que “decodificar” e “codificar” os textos. É poder estar inserido em
práticas diferenciadas de leitura e escrita e poder vivenciá-las de forma
autônoma, sem precisar da mediação de outras pessoas que sabem ler e escrever.
(p.21)
Alfabetização e escolarização: a instituição
do letramento escolar
Carmi
Ferraz Santos
Alguns
estudiosos da história da leitura atribuem essa presença cada vez maior de
leitores comuns sendo representados nas artes plásticas ao aumento do número de
leitores que se inicia no século XV com a invenção da imprensa e que se expande
ainda mais com o processo de alfabetização efetivado através de uma
escolarização de massa ocorrido a partir do século XVIII como uma exigência da
sociedade em pleno processo de industrialização. (p.24)
Entretanto,
pesquisadores voltados para discussões sobre o letramento têm questionado essa
visão da alfabetização popular como meramente um produto desse processo de
escolarização de massa impulsionado pela industrialização. (p.24).
Conforme destaca
Manacorda (1989), os movimentos populares ligados à Reforma Protestante promoveram
a difusão da instrução como meio de garantir a leitura e a interpretação da
Bíblia por cada fiel. (p.26).
Entretanto, não
apenas a Reforma, mas também o movimento de Contra-Reforma, buscou a instrução
de seus fiéis como forma de introduzi-los na verdade da fé católica (p.26).
Embora não
possamos, como diz Laquer, deter-nos em um único elemento como fator motivador
dessa expansão da alfabetização, não podemos desconsiderar a influência dos
conflitos religiosos ocorridos a partir do século XVI, na Europa. (p.26).
Como podemos
perceber, não foi a escolarização que promoveu a alfabetização. Pelo contrário,
a escolarização foi uma consequência do desenvolvimento de uma alfabetização
popular que promoveu uma cultura popular letrada que se constituiu como parte
de um movimento em favor de mudanças sociais, entre elas o acesso à escola.
(p.27).
Segundo
Cook-Gumperz (op. cit), a demanda por uma escola formal partiu de pelo menos
duas forças: 1) da pressão das pessoas comuns que defendiam a alfabetização e a
conquista da escolarização como parte de seu desenvolvimento pessoal e social;
2) da crescente necessidade de uma força de trabalho comum senso de disciplina
e de competências escolares. (p.27).
Uma visão
otimista e a favor da instrução pública não foi a princípio um consenso.
Durante o final do século XVIII e início do XIX, alguns políticos e alguns
líderes religiosos acreditavam que permitir a escolarização para toda a
população levaria à perda de controle sobre ela. (p.27).
Assim sendo, a
implantação de um sistema público de instrução nos séculos XVIII e XIX parece
não ter ocorrido como estímulo à alfabetização da população, mas, pelo
contrário, buscou subjugá-la, controlando “tanto as formas de expressão quanto
de pensamento” (COOK-GUMPERZ, op cit., p. 40). (p.28).
Uma das
primeiras conseqüências dessa relação que passa a se estabelecer entre a
alfabetização e a escolarização foi a instituição de um processo de
alfabetização distanciado dos usos e do material de leitura e de escrita
presentes no cotidiano das pessoas. (p.29).
Batista (1998) argumenta
que os professores também não se consideram “verdadeiros” leitores [...] (p.
33).
Talvez
a resposta esteja em começar a fazer uma reflexão acerca dos objetivos e
valores que têm sustentado as práticas de ensino da língua escrita na escola.
Discutindo a noção de método que tem sido entendido como sinônimo de manual, de
regras a ser seguidas, e começar a considerá-lo como soma de ações baseadas em
conjunto de princípios que responde a objetivos determinados (SOARES, 2004),
considerando que a alfabetização e a letramento, embora fenômenos diferenciados,
são interdependentes e intercomplementares. (p. 34).
O pensamento de Emília
Ferreiro sobre alfabetização.
Márcia Cristina de Oliveira Mello
Nos
anos de 1980 são divulgados, no Brasil, os resultados dos estudos realizados
pela pesquisadora argentina, Emilia Ferreiro, e seus colaboradores, contendo
uma nova abordagem do processo de aquisição da língua escrita pela criança. No
caso brasileiro, essa nova abordagem passou a ser conhecida como―construtivista
(p. 85, 86).
Emilia
Ferreiro possui uma vasta produção escrita, traduzida para diversos idiomas, em
vários países, dentre eles o Brasil. Foi possível constatar, também, que são
poucos os estudos e as pesquisas realizadas sobre o pensamento
construtivista de Emilia Ferreiro no tocante à alfabetização [...] foi possível
localizar apenas oito referências bibliográficas de textos que tratam do
pensamento construtivista de Emilia Ferreiro sobre alfabetização, não tendo
sido localizado nenhum que aborde especificamente a produção de Emilia
Ferreiro e seu pensamento construtivista sobre alfabetização, sob uma
perspectiva histórica. O que se encontram são textos que trazem propostas de
aplicação [...]. (p. 86).
Emilia
Ferreiro ganhou prestígio por desenvolver, com seus colaboradores, pesquisa
empírica que lhe permitiu formular a teoria sobre a psicogênese da língua
escrita, a qual foi divulgada em diversos países, dentre eles, o Brasil. Sua
atuação profissional revela, também, o compromisso político em contribuir na
busca de soluções para se enfrentar o problema do analfabetismo. (p. 87)
Essa
busca de soluções [...] levou Ferreiro a propor, por meio, especialmente, dos
resultados da pesquisa contidos no livro Psicogênese da língua escrita,
uma nova maneira de se pensar a alfabetização, já que, para a pesquisadora, o
fracasso na alfabetização está relacionado à maneira pela qual esse processo
vinha sendo proposto e praticado até então. (p. 88).
Ferreiro
afirma ter feito uma revolução conceitual‖ a respeito da alfabetização, por ter
mudado o eixo em torno do qual passavam as discussões sobre o tema: dos debates
sobre os métodos e os testes utilizados para o ensino da leitura e da escrita
para a idéia de que não são os métodos que alfabetizam, nem os testes que
auxiliam o processo de alfabetização, mas são as crianças que (re)constroem o
conhecimento sobre a língua escrita, por meio de hipóteses que formulam, para
compreenderem o funcionamento desse objeto de conhecimento. ( p. 88).
Além
dessa proposta de mudança de olhar‖ sobre o processo de alfabetização, a
revolução conceitual‖ proposta está, também, relacionada com a própria
concepção de
língua escrita e
de alfabetização. ( p. 88).
Ferreiro se opõe ao conceito de
alfabetização entendido como a aprendizagem de duas técnicas diferentes
(codificar e decodificar a língua escrita), em que o professor é o único
informante autorizado. Ferreiro defende, então, o conceito de alfabetização que
vai em sentido contrário, já que a considera como o processo de aprendizagem da
língua escrita. ( p. 88).
[...] Embora não se tenham notícias
de que os resultados da pesquisa de Ferreiro e colaboradores tenham sido
refutados em seus fundamentos e resultados, vêm sendo apresentadas muitas
críticas, relacionadas, sobretudo, com a dúvida a respeito do papel do ensino,
da escola e do professor, a partir desse ponto de vista. ( p. 88).
Tais dúvidas estão relacionadas com
o fato de que no livro Psicogênese da língua escrita não se encontra uma
proposta didática de alfabetização, nem "receitas prontas" com intenção
de garantir o sucesso da alfabetização de todas as crianças em fase inicial de
escolarização. (p.89).
Para
os professores, o livro pode auxiliar na interpretação das respostas dadas
pelas crianças, quando estas estão produzindo ou interpretando textos [...].
(p.89).
Para os psicólogos, a obra fornece
elementos que permitem compreender o que ocorre durante o processo de aquisição
da língua escrita [...]. (p.89).
As características fundamentais dessa matriz,
por sua vez, consistem na constatação de que as crianças possuem capacidades
cognitivas [...] e lingüísticas [...], utilizando-as para entender o mecanismo
de funcionamento da língua escrita no processo de aprendizagem da leitura e da
escrita. Nesse processo, as crianças (re)constroem o conhecimento sobre a
língua escrita, por meio de uma elaboração pessoal, a qual se dá por sucessão
de etapas, cada uma delas representando um estágio importante do processo.
Assim, a interpretação do processo é explicada do ponto de vista das crianças
que aprendem, levando-se em consideração o conhecimento específico que possuem
antes de iniciar a aprendizagem escolar, a saber: a escrita não representa
apenas um traço ou marca, mas sim “um objeto substituto”. (p.90)
Partindo desse conhecimento, as
crianças seguem uma linha de evolução regular até a aquisição da língua
escrita, elaborando hipóteses para compreender o funcionamento do código
escrito. (p.90).
Do início ao fim desse processo ocorre
um processo de (re)construção do conhecimento da língua escrita, o qual se dá
por meio da interação das crianças com o objeto de conhecimento. (p. 91).
Ampliando essa temática, a
pesquisadora aborda, em seus textos posteriores, assuntos atuais, como a
entrada das novas tecnologias (computadores e internet) nas escolas e a
discussão em torno do ―letramento‖, confirmando sua contemporaneidade em
relação ao discurso sobre alfabetização. No entanto, em tudo o que escreve,
aquela matriz invariante está sempre presente. (p.91).
Por fim,
vale enfatizar que, depois das tensões iniciais decorrentes da divulgação desse
pensamento cuja matriz invariante se encontra no livro analisado e dos questionamentos por alguns estudiosos do
assunto, ele permanece atuante, até os dias de hoje, nos discursos e nas
práticas de alfabetização no Brasil. Porém, o pensamento de Ferreiro gerou, por
meio de suas apropriações, "revolução" no "fazer" a
alfabetização em São Paulo e no Brasil? Penso que, mais do que antes, esse é um
assunto para ser debatido. (p.92).
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