sexta-feira, 11 de março de 2016

FICHAMENTOS: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

DISCENTE: CAROLINE ALVES

Conceituando alfabetização e letramento
Eliana Borges Correia de Albuquerque

A alfabetização considerada como o ensino das habilidades de “codificação” e “decodificação” foi transposta para a sala de aula, no final do século XIX, mediante a criação de diferentes métodos dealfabetização – métodos sintéticos (silábicos ou fônicos) x métodos analíticos (global) –, que padronizaram a aprendizagem da leitura e da escrita. As cartilhas relacionadas a esses métodos passaram a ser amplamente utilizadas como livro didático para o ensino nessa área. (p.11)
A experiência “traumatizante” de alfabetização na escola devia-se não só aos castigos aos quais muitos de nós fomos submetidos, mas às próprias atividades desenvolvidas, com ênfase na repetição e na memorização de letras, sílabas e palavras sem significados. Mas essa experiência escolar muitas vezes era amenizada pelas práticas de leitura vivenciadas no ambiente familiar, mesmo quando os instrumentos utilizados eram os mesmos – as cartilhas [...] (p. 13).

Outras professoras lembraram, também, de outras práticas de leitura no ambiente familiar, como a de escutar os adultos lerem ou contarem histórias/contos infantis, como relatou a professora Danielle Félix, que, conforme depoimento apresentado anteriormente, teve uma experiência traumatizante de alfabetização na escola, mas não em casa [...]. (p.15).
A partir da década de 1980, o ensino da leitura e da escrita centrado no desenvolvimento das referidas habilidades, desenvolvido com o apoio de material pedagógico que priorizava a memorização de sílabas e/ou palavras e/ou frases soltas, passou a ser amplamente criticado. Nesse período, pesquisadores de diferentes campos – Psicologia,
História, Sociologia, Pedagogia, etc. – tomaram como temática e objeto de estudo a leitura e seu ensino, buscando redefini-los. (p. 15).
No campo da Psicologia, foram muito importantes as contribuições dos estudos sobre a psicogênese da língua escrita, desenvolvidos por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1984). (p. 15).
[...]Constataram que as crianças ou os adultos analfabetos passavam por diferentes fases que vão da escrita pré-silábica, em que o aprendiz não compreende ainda que a escrita representa os segmentos sonoros da palavra, até as etapas silábica e a alfabética. (p.16)
Segundo Soares (1998), o termo letramento é a versão para o Português da palavra de língua inglesa literacy, que significa o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e a escrever. Esse mesmo termo é definido no Dicionário Houaiss (2001) “como um conjunto de práticas que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito”. (p.16).
No Brasil, o termo letramento não substituiu a palavra alfabetização, mas aparece associada a ela. Podemos falar, ainda nos dias de hoje, de um alto índice de analfabetos, mas não de “iletrados” [...]. (p.16).
A leitura e a produção de diferentes textos são tarefas imprescindíveis para a formação de pessoas letradas. No entanto, é importante que, na escola, os contextos de leitura e produção levem em consideração os usos e funções do gênero em questão. É preciso ler e produzir textos diferentes para atender a finalidades diferenciadas, a fim de que superemos o ler e a escrever para apenas aprender a ler e a escrever.
Por outro lado, um trabalho sistemático de reflexão sobre o sistema de escrita alfabético não pode ser feito apenas através da leitura e da produção de textos, como pensava a professora Luzia. É preciso o desenvolvimento de um ensino no nível da palavra, que leve o aluno a perceber que o que a escrita representa (nota no papel) é sua pauta sonora, e não o seu significado, e que o faz através da relação fonema/grafema. (p.20).
Enfim, considerando o que foi discutido até agora, sabemos que ser alfabetizado, hoje, é mais do que “decodificar” e “codificar” os textos. É poder estar inserido em práticas diferenciadas de leitura e escrita e poder vivenciá-las de forma autônoma, sem precisar da mediação de outras pessoas que sabem ler e escrever. (p.21)

Alfabetização e escolarização: a instituição do letramento escolar
Carmi Ferraz Santos
Alguns estudiosos da história da leitura atribuem essa presença cada vez maior de leitores comuns sendo representados nas artes plásticas ao aumento do número de leitores que se inicia no século XV com a invenção da imprensa e que se expande ainda mais com o processo de alfabetização efetivado através de uma escolarização de massa ocorrido a partir do século XVIII como uma exigência da sociedade em pleno processo de industrialização. (p.24)
Entretanto, pesquisadores voltados para discussões sobre o letramento têm questionado essa visão da alfabetização popular como meramente um produto desse processo de escolarização de massa impulsionado pela industrialização. (p.24).
Conforme destaca Manacorda (1989), os movimentos populares ligados à Reforma Protestante promoveram a difusão da instrução como meio de garantir a leitura e a interpretação da Bíblia por cada fiel. (p.26).
Entretanto, não apenas a Reforma, mas também o movimento de Contra-Reforma, buscou a instrução de seus fiéis como forma de introduzi-los na verdade da fé católica (p.26).
Embora não possamos, como diz Laquer, deter-nos em um único elemento como fator motivador dessa expansão da alfabetização, não podemos desconsiderar a influência dos conflitos religiosos ocorridos a partir do século XVI, na Europa. (p.26).
Como podemos perceber, não foi a escolarização que promoveu a alfabetização. Pelo contrário, a escolarização foi uma consequência do desenvolvimento de uma alfabetização popular que promoveu uma cultura popular letrada que se constituiu como parte de um movimento em favor de mudanças sociais, entre elas o acesso à escola. (p.27).
Segundo Cook-Gumperz (op. cit), a demanda por uma escola formal partiu de pelo menos duas forças: 1) da pressão das pessoas comuns que defendiam a alfabetização e a conquista da escolarização como parte de seu desenvolvimento pessoal e social; 2) da crescente necessidade de uma força de trabalho comum senso de disciplina e de competências escolares. (p.27).
Uma visão otimista e a favor da instrução pública não foi a princípio um consenso. Durante o final do século XVIII e início do XIX, alguns políticos e alguns líderes religiosos acreditavam que permitir a escolarização para toda a população levaria à perda de controle sobre ela. (p.27).
Assim sendo, a implantação de um sistema público de instrução nos séculos XVIII e XIX parece não ter ocorrido como estímulo à alfabetização da população, mas, pelo contrário, buscou subjugá-la, controlando “tanto as formas de expressão quanto de pensamento” (COOK-GUMPERZ, op cit., p. 40). (p.28).
Uma das primeiras conseqüências dessa relação que passa a se estabelecer entre a alfabetização e a escolarização foi a instituição de um processo de alfabetização distanciado dos usos e do material de leitura e de escrita presentes no cotidiano das pessoas. (p.29).
Batista (1998) argumenta que os professores também não se consideram “verdadeiros” leitores [...] (p. 33).
Talvez a resposta esteja em começar a fazer uma reflexão acerca dos objetivos e valores que têm sustentado as práticas de ensino da língua escrita na escola. Discutindo a noção de método que tem sido entendido como sinônimo de manual, de regras a ser seguidas, e começar a considerá-lo como soma de ações baseadas em conjunto de princípios que responde a objetivos determinados (SOARES, 2004), considerando que a alfabetização e a letramento, embora fenômenos diferenciados, são interdependentes e intercomplementares. (p. 34).

O pensamento de Emília Ferreiro sobre alfabetização.
 Márcia Cristina de Oliveira Mello

Nos anos de 1980 são divulgados, no Brasil, os resultados dos estudos realizados pela pesquisadora argentina, Emilia Ferreiro, e seus colaboradores, contendo uma nova abordagem do processo de aquisição da língua escrita pela criança. No caso brasileiro, essa nova abordagem passou a ser conhecida como―construtivista (p. 85, 86).
Emilia Ferreiro possui uma vasta produção escrita, traduzida para diversos idiomas, em vários países, dentre eles o Brasil. Foi possível constatar, também, que são poucos os estudos e as pesquisas realizadas sobre o pensamento construtivista de Emilia Ferreiro no tocante à alfabetização [...] foi possível localizar apenas oito referências bibliográficas de textos que tratam do pensamento construtivista de Emilia Ferreiro sobre alfabetização, não tendo sido localizado nenhum que aborde especificamente a produção de Emilia Ferreiro e seu pensamento construtivista sobre alfabetização, sob uma perspectiva histórica. O que se encontram são textos que trazem propostas de aplicação [...]. (p. 86).
Emilia Ferreiro ganhou prestígio por desenvolver, com seus colaboradores, pesquisa empírica que lhe permitiu formular a teoria sobre a psicogênese da língua escrita, a qual foi divulgada em diversos países, dentre eles, o Brasil. Sua atuação profissional revela, também, o compromisso político em contribuir na busca de soluções para se enfrentar o problema do analfabetismo. (p. 87)
Essa busca de soluções [...] levou Ferreiro a propor, por meio, especialmente, dos resultados da pesquisa contidos no livro Psicogênese da língua escrita, uma nova maneira de se pensar a alfabetização, já que, para a pesquisadora, o fracasso na alfabetização está relacionado à maneira pela qual esse processo vinha sendo proposto e praticado até então. (p. 88).
Ferreiro afirma ter feito uma revolução conceitual‖ a respeito da alfabetização, por ter mudado o eixo em torno do qual passavam as discussões sobre o tema: dos debates sobre os métodos e os testes utilizados para o ensino da leitura e da escrita para a idéia de que não são os métodos que alfabetizam, nem os testes que auxiliam o processo de alfabetização, mas são as crianças que (re)constroem o conhecimento sobre a língua escrita, por meio de hipóteses que formulam, para compreenderem o funcionamento desse objeto de conhecimento. ( p. 88).
Além dessa proposta de mudança de olhar‖ sobre o processo de alfabetização, a revolução conceitual‖ proposta está, também, relacionada com a própria concepção de
língua escrita e de alfabetização. ( p. 88).
            Ferreiro se opõe ao conceito de alfabetização entendido como a aprendizagem de duas técnicas diferentes (codificar e decodificar a língua escrita), em que o professor é o único informante autorizado. Ferreiro defende, então, o conceito de alfabetização que vai em sentido contrário, já que a considera como o processo de aprendizagem da língua escrita. ( p. 88).
            [...] Embora não se tenham notícias de que os resultados da pesquisa de Ferreiro e colaboradores tenham sido refutados em seus fundamentos e resultados, vêm sendo apresentadas muitas críticas, relacionadas, sobretudo, com a dúvida a respeito do papel do ensino, da escola e do professor, a partir desse ponto de vista. ( p. 88).
            Tais dúvidas estão relacionadas com o fato de que no livro Psicogênese da língua escrita não se encontra uma proposta didática de alfabetização, nem "receitas prontas" com intenção de garantir o sucesso da alfabetização de todas as crianças em fase inicial de escolarização. (p.89).
Para os professores, o livro pode auxiliar na interpretação das respostas dadas pelas crianças, quando estas estão produzindo ou interpretando textos [...]. (p.89).
            Para os psicólogos, a obra fornece elementos que permitem compreender o que ocorre durante o processo de aquisição da língua escrita [...]. (p.89).
             As características fundamentais dessa matriz, por sua vez, consistem na constatação de que as crianças possuem capacidades cognitivas [...] e lingüísticas [...], utilizando-as para entender o mecanismo de funcionamento da língua escrita no processo de aprendizagem da leitura e da escrita. Nesse processo, as crianças (re)constroem o conhecimento sobre a língua escrita, por meio de uma elaboração pessoal, a qual se dá por sucessão de etapas, cada uma delas representando um estágio importante do processo. Assim, a interpretação do processo é explicada do ponto de vista das crianças que aprendem, levando-se em consideração o conhecimento específico que possuem antes de iniciar a aprendizagem escolar, a saber: a escrita não representa apenas um traço ou marca, mas sim “um objeto substituto”. (p.90)
            Partindo desse conhecimento, as crianças seguem uma linha de evolução regular até a aquisição da língua escrita, elaborando hipóteses para compreender o funcionamento do código escrito. (p.90).
            Do início ao fim desse processo ocorre um processo de (re)construção do conhecimento da língua escrita, o qual se dá por meio da interação das crianças com o objeto de conhecimento. (p. 91).
            Ampliando essa temática, a pesquisadora aborda, em seus textos posteriores, assuntos atuais, como a entrada das novas tecnologias (computadores e internet) nas escolas e a discussão em torno do ―letramento‖, confirmando sua contemporaneidade em relação ao discurso sobre alfabetização. No entanto, em tudo o que escreve, aquela matriz invariante está sempre presente. (p.91).
            Por fim, vale enfatizar que, depois das tensões iniciais decorrentes da divulgação desse pensamento cuja matriz invariante se encontra no livro analisado  e dos questionamentos por alguns estudiosos do assunto, ele permanece atuante, até os dias de hoje, nos discursos e nas práticas de alfabetização no Brasil. Porém, o pensamento de Ferreiro gerou, por meio de suas apropriações, "revolução" no "fazer" a alfabetização em São Paulo e no Brasil? Penso que, mais do que antes, esse é um assunto para ser debatido. (p.92).


Nenhum comentário:

Postar um comentário