sexta-feira, 11 de março de 2016

Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização


DISCENTE: CAROLINE ALVES


Neste trabalho, pretendemos apresentar os resultados da pesquisa “Psicogênese da língua escrita”, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, em seus aspectos linguísticos, significativos à alfabetização, e demonstrar os equívocos mais comuns advindos da interpretação desvirtuada dessa teoria, bem como suas consequências [...]. (p. 37). 
Ferreiro e Teberosky, psicolinguistas argentinas, iniciaram em 1974 uma investigação, par­tindo da concepção de que a aquisição do conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interação com o objeto de conhecimento e demonstraram que a criança, já antes de chegar à escola, tem ideias e faz hipóteses sobre o código escrito, descrevendo os estágios linguísticos que percorre até a aquisição da leitura e da escrita. (p. 37).
Pretendemos demonstrar que a aprendizagem da leitura, entendida como ques­tionamento a respeito da natureza, função e valor deste objeto cultural que é a escrita, inicia-se muito antes do que a escola imagina, transcorrendo por insus­peitados caminhos.  (p. 37).

[...] A criança, imersa em um mundo onde há a presença de sistemas simbolicamente elaborados, como a escrita, procurando compreender a natureza dessas marcas especiais. Nesta busca, o aprendiz vai elaborando um sistema de representação através de um processo construtivo [...]. (p.37, 38).
A pesquisa mostrou que o analfabeto adulto, assim como as crianças, sabem, mesmo antes de vir para a escola, que a escrita é um sistema de representação e fazem hipóteses de como se dá tal representação. Entretanto, Fuck (1993, p. 40) verifica: “Diferente das crianças, começa­mos a observar que o analfabetizando (sic) adulto já superou o nível pré-silábico. Ele tem muito claro que se escreve com letras e qual a função social da escrita [...]. (p. 38).
[...] a Psicogênese da língua escrita descreve como o aprendiz se apropria dos conceitos e das habilidades de ler e escrever, mostrando que a aquisição desses atos linguísticos segue um percurso semelhante àquele que a humanidade percorreu até chegar ao sistema alfabético, ou seja, o aluno, na fase pré-silábica do caminho que percorre até alfabetizar-se, ignora que a palavra escrita representa a palavra falada, e desconhece como essa representação se processa. (p. 39).
No nível pré-silábico, em um primeiro momento, o aprendiz pensa que pode escrever com desenhos, rabiscos, letras ou outros sinais gráficos, imaginando que a palavra assim inscrita representa a coisa a que se refere. (p. 39).
Entretanto, ainda neste nível, mesmo após tomar consciência de que se escreve com letras, o aprendiz tenderá a grafar um número de letras, indiscriminado, sem antecipar quantos e quais caracteres precisará usar para registrar palavras. Por exemplo, quando o professor pedir que escreva gato, poderá escrever RARDICO, normalmente limitando-se a usar apenas um pequeno inventário de letras, como as de seu nome (RICARDO, por ex.), sem correspondência sonora alguma. (p. 39).
Somente quando for questionado sobre a quantidade de vezes que abrimos a boca para pronunciar determinada palavra é que o aluno começará a antecipar a quantidade de letras que deverá registrar para escrever. (p. 39).
[...] a passagem para o nível silábico é feita com atividades de vinculação do discurso oral com o texto escrito, da palavra escrita com a palavra falada. (p. 40).
É comum, principalmente entre as crianças, encontrarmos alunos que parecem “comer letras” ou usar mais letras do que as palavras requerem. Entretanto, os adultos reconhecem como palavras, combinações de letras e sílabas com algum significado e que se distinguem dos desenhos. Sabem que o alfabeto não basta, para ler e escrever. (p. 40).
Assim, diferentemente dos adultos, as crianças parecem passar pelas fases pré-silábica e silábica, atingindo finalmente a alfabética. Nesse nível alfabético, o aprendiz analisa na palavra suas vogais e consoantes. Acredita que as palavras escritas devem representar as palavras faladas, com correspondência absoluta de letras e sons. Já estão alfabetizados, porém terão conflitos sérios, ao comparar sua escrita alfabética e espontânea com a escrita ortográfica, em que se fala de um jeito e se escreve de outro. (p. 40).
A criança alfabetiza a si mesma e inicia essa aprendizagem antes mesmo de entrar na escola, e seus efeitos prolongam-se após a ação pedagógica, período durante o qual, para conhecer a natureza da escrita, deve participar de atividades de produção e interpretação escritas, tendo o professor o papel de mediador entre a criança e a escrita, criando estratégias que propiciem o contato do aprendiz com esse objeto social, para que possa pensar e agir sobre ele. A mediação do alfabetizador não o desobriga de seu papel de informante sobre as convenções do código escrito. (p. 41).
O professor trabalha letramento realizando leituras de diferentes gêneros textuais aos alunos. Chamamos a atenção para os diferentes tipos de textos, pois constatamos, hoje, o equívoco de que literatura infantil ou infantojuvenil sejam sinônimos de letramento. Letrar é uma tarefa extremamente ampla que, por definição, envolve habilidades múltiplas de ler, interpretar e produzir textos adequados às exigências sociais. Assim, em princípio, tal atividade engloba os mais diferentes gêneros textuais, portanto é atitude ingênua pensar que, lendo apenas histórias infantis, poemas ou parlendas, iremos letrar alguém. (p. 47).
Observando a História da escrita, sob enfoque linguístico, observa-se que esta constitui objeto que precisa ser ensinado. A partir do momento em que a escrita abandonou seu caráter pictográfico (a escrita através de desenhos, imagens do que se quer representar) e passou ao ideográfico (traçados que transmitem a ideia do objeto a ser representado), tornou-se uma convenção, que necessariamente precisa ser ensinada. Assim, afirmar que, sem a realização de um trabalho sistemático, alguém aprenderá a escrever é uma falácia. (p. 49).
Hoje, dificilmente, se encontram professores que conseguem desenvolver um trabalho sistematizado. Infelizmente, a maioria limita-se a reproduzir as estratégias de nível pré-silábico de modo aleatório, muitas vezes entregam a atividade sem fornecer orientações sobre o que é para ser feito, mesmo quando dão a resposta, fazem isso antes de o aluno refletir sobre o assunto. Assim, sem orientação e persistência necessárias para que os alunos tenham a oportunidade de compreender, memorizar as grafias, estabelecer associações e apropriar-se do conhecimento, o trabalho torna-se mecânico. (p. 50).
Porém, a aprendizagem da escrita (codificação de sinais) é mais complexa. Para ler, o aluno irá memorizar grafias diferentes e estabelecer a correspondência entre qual grafia representa determinado som; entretanto, para escrever (codificar), o esforço a ser empreendido é muito maior, pois tem-se observado em salas, durante duas décadas após a divulgação da Psicogênese, o aparecimento de outro problema quando, por exemplo, 90% dos alunos de uma classe dominam o alfabeto, sua leitura e escrita, mas não sabem combinar letras para compor palavras. (p. 51).
[...] Na mesma época da divulgação da Psicogênese, houve, no Estado de São Paulo, a criação dos Ciclos Básicos, em que a permanência da criança na escola foi ampliada de quatro para cinco horas, e o curso tinha por base ciclos e não séries. O primeiro ciclo continha a 1ª e 2ª séries, e o segundo, a 3ª e 4ª séries (CBI - Ciclo Básico Inicial - e CBC - Ciclo Básico em Continuidade - respectivamente). Desse modo, o aluno era promovido do CBI para o CBC automaticamente sob o pretexto de que, na segunda etapa do 1º ciclo, o aluno que não se alfabetizara na primeira, teria a oportunidade de concluir sua alfabetização. (p. 52).
Enfatizamos que não defendemos a silabação feita pela cartilha, recitada em coros mecânicos, com a sequência tradicional das letras [...]. (p. 54).
Analisando a alfabetização ao longo dos últimos 20 anos, constata-se que a teoria construtivista tem sido adotada por vários estados do Brasil como se fosse uma fórmula mágica para resolver todos os problemas relativos ao tema, mas resultados de pesquisas como o INAF 2009 (INSTITUTO PAULO MONTENEGRO, 2009) mostram índices alarmantes de analfabetismo. (p. 56).
Nesse sentido, é urgente a adoção de metodologia adequada para que crianças sejam alfabetizadas em nosso país, assumindo a definição de alfabetização, em sua especificidade, como conjunto de técnicas para exercer a arte e a ciência da escrita.  (p. 56).

O construtivismo teve seu mérito, à medida que destronou a cartilha e apresentou uma teoria sobre a aquisição da escrita. Entretanto, segundo Soares (2003a), na época da cartilha havia método sem teoria sobre alfabetização, hoje há uma bela teoria, mas não se tem método. O ideal é que se tenha um método com base em uma teoria de alfabetização. (p. 56).


MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA, Olympio Correa de. Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-Reitoria de Graduação. Caderno de formação: formação de professores: Bloco 02: Didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2. p. 36-57. (D16 - Conteúdo e Didática de Alfabetização). Disponível em: <http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/40138>. Acesso em: 04 de Dez 20015.

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